domingo, 8 de maio de 2067

Brados de um Ser

Sou filho de um berço,
que é feito de palha, e cheira a verdura...

Sou fruto de um Maio,
coberto de flores, chorando a censura...

Sou eterno gaiato,
que brinca nos campos, a brincar com nada...

Sou força de um tempo,
que um dia sorriu, e se fez alvorada...

Sou sonho que emerge,
por entre o restolho, e se esvai no pousio...

Sou conto sem fadas,
que avança no tempo, que não se contou...

Sou grito da alma,
que brada no céu, e cai no vazio...

Sou poeta que avança,
por entre o destino, sem saber quem Sou...

(2004)

António Prates - In Sesta Grande

Sentinela Virtual

Vós que sois juízes do meu fado,
aqui, no resplendor das antefaces,
protegei a minha vida com cuidado,
sem essa aberração das subclasses…

Dizei tudo o que sou e que não sou,
velai a minha acção a descoberto,
e vede que meu mal não se acabou,
aqui, neste arraial de peito aberto…

Por isso, olhai o circo, em traje puro,
os bons malabaristas e os palhaços;
mirai alguns funâmbulos do futuro,
fitando os movimentos que aqui faço…

Defendei o meu feitio rude e tosco,
com esse bem-querer que vos conheço,
e sei que poderei contar convosco
enquanto eu divagar neste endereço…

António Prates – 2014

Galapito

Mote

Num ponto do infinito
há um planeta azulado;
enquanto gira de lado
visto de longe é bonito…
Diz-se aqui no Galapito
que há lá um certo animal
que se faz um maioral
e pensa que sabe tudo,
como um grande cabeçudo
de aspecto Universal.

Glosas
I
Diz o povo aqui da Corte,
do lugar aonde estou,
que o ponto p`ra onde vou
é sítio de gente forte…
Vou entrar no Pólo Norte
para ver se ali medito…
Um prazer que necessito
P`ra gelar o meu sentido,
e passar despercebido
num ponto do infinito…

II
É ali no pedregulho
que aqui comparto e vejo…
Onde está um Alentejo
que descansa sem barulho…
Há quem diga que é orgulho
e quem diga que é um fado,
que se leva descansado
nas guerrilhas desse mundo…
E vejo que lá ao fundo
há um planeta azulado…

III
Confesso, estou curioso
p`ra chegar ali depressa,
onde dizem que a cabeça
tem um dom meticuloso…
Viajando o céu viçoso,
avanço no céu estrelado,
onde tudo é encantado
e onde tudo bate certo,
no azul que fica perto
enquanto gira de lado…

IV
Quero ver a cor das serras,
nessas grandes altitudes,
e passar desertos rudes
que apagam outras terras…
Também quero ver as guerras,
para ver se eu acredito
no que a Corte me tem dito
e não quero acreditar…
Mas olhando esse lugar,
visto de longe é bonito…

V
Com a nave desengatada,
vejo algumas claridades,
talvez sejam as cidades
da parte mais abastada…
Noto a porção anilada,
durante o soar de um grito,
que soa como um apito
e zune como um consolo.
- Vamos ver esse bajolo!
Diz-se aqui no Galapito…

VI
A nave sorri, em festa,
pelo azul dos oceanos,
que exibem aos humanos
a frescura que lhes resta…
Dizem que à hora da sesta
esse anil é divinal,
no austro de Portugal,
onde está uma cicatriz…
Toda a nave aponta e diz
que há lá um certo animal…

VII
O Galapito avança mais,
para ver mais à vontade,
e reparo outra verdade
destapada por sinais:
são fumaças colossais
vindas lá do corpo astral…
Penso que algo está mal
nesses tons que não se somem,
e que ficam mal ao Homem
que se faz um maioral…

VIII
Vejo a Lua olhar p´ra mim
como uma Deusa do céu,
que sorri de corpo ao léu,
e a benesse não tem fim…
É ditosa em ser assim,
com um ar sempre amorudo…
Enquanto me quedo mudo,
penso nessa criatura,
que é pomposa na figura
e pensa que sabe tudo…

IX
Lá em baixo oiço trovões,
ou estouros das disputas,
que são o maná das lutas
e o pesar dos corações…
Entre as muitas criações
de cariz grave e agudo,
avisto o animal taludo,
entretido nessa esgrima…
Que diviso aqui de cima
como um grande cabeçudo…

X
Esvaiu-se o meu ensejo
e a querença que trazia,
esse Homem dá-me azia,
alojada no meu pejo…
Já nem vou ao sul do Tejo
ver o ente especial…
Desejando-lhe, por sinal,
sorte para todo o ano,
por ser um alentejano
de aspecto universal…

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Talvez um dia

Talvez um dia te faça um poema!
Talvez um dia te conte um conto!
Porém, as letras vestem de espanto
todas as rimas do mesmo tema...

Talvez um dia te faça um poema,
com as quatro letras da minha sina;
cheio de graça, de sacarina
vinda dos trechos de um nobre tema...

Talvez um dia seja um soneto
que te descreve como eu te vejo...
Falo de amores, de um terno beijo
e das palavras a branco e preto...

Talvez um dia!

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Poetas e Cantigas

Isto de fazer uma cantiga,
como a "lei" manda ao poeta
muito tem que se lhe diga,
não sei se noutra me meta.

(mote do Dr. Alexandre Torrinha)

I
Sendo um dom do pensamento,
com palavras num sem fim,
como plantas de um jardim,
enfeitando o chão cinzento;
elas brotam, no momento,
como brota a verde espiga,
um condão que se mastiga
nesta minha opinião...
Eu acho que é vocação
isto de fazer uma cantiga...

II
Bem temperada pela rima,
que lhe dá forma e beleza,
dá sentido e mais firmeza,
se a moral nos vem de cima...
Uma grosa quando lima
pela forma mais concreta,
faz-se trova de profeta,
enfeitada com grainhas,
e as palavras são rainhas,
como a "lei" manda ao poeta...

III
O que é dito pelo mote
é destino e pão da obra;
verso a verso se desdobra,
no sentir de cada dote...
Mete as águas no capote,
quando o pão falta à barriga;
brada alto a quem lhe liga,
exprimindo a sua crítica;
e essa coisa da política,
muito tem que se lhe diga...

IV
Um actor, quando declama
o que manda o sentimento:
trova amor, sorte e lamento,
pedindo paz como quem ama...
Trovador de cante e chama,
que se exalta na caneta;
entretido nesta faceta,
vou rimando a meu prazer,
e como gosto de escrever,
não sei se noutra me meta...

(2003)

António Prates - In Sesta Grande

Serenata

A noite escuta o mote afeiçoado
ao Céu que sobressai do varandim:
um cante com um mote apaixonado,
no amor do Anastácio Joaquim…

A bela cede ao cante, à bela prosa,
ouvindo os provençais no trovador;
um Mago, Um Dom Juan, um Rubirosa
que inflama os altos versos do amor…

Apruma a sua voz pela planície,
num modo açucarado e tão sucinto,
e enquanto diz da vida uma chatice
traduz a inspiração de um Borba tinto…

O tom em Dó Maior - forte e conciso -
aflora a rouquidão, que não lhe acode,
e diz: amor amor…, nesse improviso,
por entre as largas pontas do bigode…

A bela afaga o nardo, emocionada,
com a voz que se evapora no relento,
e entre uma janela escancarada
recolhe aos cobertores do aposento…

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Quadras Soltas

Meço as palavras a eito,
neste meu jeito contido,
mas sinto falta de jeito
para rimar sem sentido.

Este mundo parece ter
uma estranha semelhança,
destinada a fazer ver
o que o homem não alcança.

Em cada história contada,
tudo se conta e resume
à vantagem retirada
do proveito e do ciúme...

Quando o pensamento é reles,
e tortura a nossa voz,
proferimos mal daqueles
que proferem mal de nós...

Oiço falar em progresso
aos que me falam de cor,
mas depois de ouvir, lhes peço
que me falem mais de amor...

O amor que queima e tece
as saudades repartidas,
é amor que não se esquece
nem por duas ou três vidas...

Se o Homem tivesse arte
para ver o lado oposto,
via paz em toda a parte
e lavava mais o rosto...

Todos nos falam de Deus,
com sublimes teorias;
rogam em nome dos Céus
os seus favores e manias...

Se além da vida há eterno,
e se Deus nos dá Sentença,
imagino que o inferno
é maior do que se pensa...

Deus nos dê o seu perdão
e qualquer coisa divina,
porque as voltas que se dão
são sempre a mesma rotina.

(2005)

António Prates - In Sesta Grande

Fala-me

Fala-me do tempo e das intrigas,
e dessas coisas que dizemos por falar…
Diz-me prosápias das modestas raparigas,
que fazem renda numa casa à beira-mar…

Diz-me essa história proibida de dizer,
arrecadada no cacifo dos segredos…
Conta-me um verso, daqueles que dão prazer,
quando as vagas fazem rimas nos rochedos…

Canta-me um fado, com a tua voz castiça,
denunciando os infortúnios da miséria…
Fala do Povo, do Divino, e da justiça,
com essa crença que a justeza faz etérea…

Diz um olá… no meu ouvido encortiçado
pelo silêncio das palavras mais esquivas…
Fala do conto que não foi sequer narrado,
no nobre esboço do condão das narrativas…

(2008)

António Prates - In Sesta Grande

Sonhos de Abril

Chora Abril retalhado,
na doutrina do poder,
seguindo rumo ao passado,
com a liberdade a sofrer...

I
No florescer da pastagem,
perante um lençol mimoso,
avança Alentejo vaidoso,
respira desprezo e coragem...
Dá-nos ar da sua imagem,
num sorriso retratado;
disfarça o ser magoado
que sua alma entristece,
enquanto o povo padece
chora Abril retalhado...

II
Lágrimas já repassadas,
penando no leito do rio;
sente um enorme vazio
sofrido em tantas chuvadas...
Brechas, enfim reparadas,
coisas que dizem fazer…
Passa na água - a correr -
tal percurso viciado,
acena em caldo entornado,
na doutrina do Poder...

III
Lições de memória pequena
que a consciência ditou:
Nobre, o poeta trovou:
“Grândola vila morena...”
Aperta saudade amena,
num coração já cansado...
Sangra sozinho no prado,
enferrujando o celeiro,
verga perante o dinheiro,
seguindo rumo ao passado...

IV
Veste em ar de graça
a sensação que promete,
lavrada no Jet-set,
semeada na lei da caça...
Pobre é gente de raça,
povo que sabe perder,
o teu contento é viver
na ambição do sustento,
esquecido no Mandamento,
com a liberdade a sofrer...

(1999)

António Prates - In Sesta Grande

Temporal

Se esta chuva não parar,
durante esta madrugada,
amanhã não faço nada,
e tenho o feno p`ra ceifar.

Se esta chuva não parar,
o terreno fica alagado;
fica o gado sem pastar,
na pastagem do meu gado.

Se estou apoquentado,
durante esta madrugada,
canto uma letra dum fado,
ou um cante à namorada.

Toda a chuva vem molhada,
prometendo a boa vida...
Amanhã não faço nada,
nem cuido da minha lida.

Talvez tome uma bebida,
enquanto a chuva durar;
cai a chuva bem caída,
e tenho o feno p´ra ceifar.

(2006)

António Prates - In Sesta Grande

Pulula a velha inveja pelas veias

Pulula a velha inveja pelas veias,
ali, aos solavancos, na cabeça;
adoida a sensatez de cada peça,
moendo o fraco eixo das ideias…

Afecta velhos novos magros gordos,
e aquela ruiva loira que é morena;
possui a laia grande - laia pequena -
com marcas da invídia nos rebordos…

Lá está, na condição do abastado,
no lucro capital de um lambe-botas;
empresta o seu tributo aos idiotas,
e aos homens de estatuto fabricado…

Insiste e vai até fim do mundo,
com essa agitação empedernida;
Difunde o seu veneno em cada vida,
perfaz o seu desígnio furibundo…

É tanta tanta inveja, essa má sorte,
no génio que a cabeça tem de sobra.
Se alguém contém sucesso em sua obra,
provará do seu veneno até à morte…

E aquando das exéquias benfeitoras,
o mau é bom de mais pra ser verdade;
bendita seja a morte na Humanidade,
que apaga a velha inveja fora d`horas…

(2012)

António Prates - In Sesta Grande

Novas Oportunidades

Por cada lição cumprida
há um exemplo prematuro,
destinado ao bem da vida
e ao proveito do futuro.

I
Nestas Novas Conjunturas
das voltas do meu trajecto,
grafo cunhos do intelecto
com indícios de aventuras;
entre o fado das mesuras
e uma fé fortalecida,
verte a crença concedida
aos testemunhos do saber,
que me dão mais que fazer
por cada lição cumprida…

II
Lavro a minha existência,
no decurso e nas façanhas,
como gestas das entranhas
e do chão da paciência;
em cada certa ocorrência,
vejo sempre um velho muro,
que atalha o que procuro
tal como um animal veloz,
porque em cada um de nós
há um exemplo prematuro…

III
E então algo oportuno
na Nova Oportunidade,
faz-me expor, com liberdade,
as valências que reúno:
lembro as fases do aluno,
nessa fase entorpecida,
comparando cada medida
na forma do seu tamanho,
como algo muito estranho
destinado ao bem da vida…

IV
Todavia, esse recurso,
ondulante e buliçoso
é um exemplo caprichoso
das marcas do meu decurso;
mas depois desse percurso,
que sugere o meu apuro,
há um verso que auguro,
no prato das Competências,
dirigido às contingências
e ao proveito do futuro…

(2008)

António Prates- In Sesta Grande

Amizade

Amizade é um valor que se descreve,
com a bondade que afaga o coração;
dá-nos calor com a cor da fria neve,
nesses momentos de retiro e solidão...

Dá-nos apoio, um delicado sentimento,
compartilhado na ternura, no carinho;
adoça o tempo, a faguice do momento,
onde as palavras soam ternas e baixinho...

Sentimos luz em cada pingo de desvelo,
admirando o resplendor, a claridade;
e cabe sempre mais um amigo no Castelo,
dentro da alma, onde vive esta Amizade…

(2007)

António Prates - Sesta Grande

Flor

Toda a flor que é linda e bela
tem na alma mais perfume,
e todos olham para ela
com desejo e com ciúme…

I
Como um terno amanhecer,
nasce, brota e vem ao mundo;
tem no brio algo profundo
que a faz resplandecer…
Entre o bem e o mal querer,
vinga aqui nesta courela,
como um quadro de aguarela,
conduzindo a sua sina…
É mais doce e mais divina
toda a flor que é linda e bela...

II
Suas cores um matizado,
que a faz montra de beleza:
um tal lustre a camponesa,
no padrão mais destacado…
Entre as muitas a seu lado,
é primor que está no cume,
Como gelo em brando lume,
que derrete, e diz presente…
Toda a flor resplandecente
tem na alma mais perfume…

III
Se é cercada por enleios,
ganha mimos e abraços…
Tudo é lindo e cria laços
com outros que são mais feios…
O vasto encanto em devaneios,
dá-lhe o brilho de uma estrela;
Como eterna sentinela,
tão castiça e tão briosa,
com a luz mais luminosa,
e todos olham para ela…

IV
Veste o pão da divindade,
na estufa da vivência,
que a sua fina aparência
transmite com claridade…
Há quem diga que é vaidade,
e ao primor chame negrume;
com sementes em cardume,
cresce livre e engalanada,
sendo a flor mais cortejada,
com desejo e com ciúme…

(2005)

António Prates - In Sesta Grande

Perseverança

Perseverança dos meus dias apagados,
teimosia destes versos incompletos...
Fazes-me ser como poetas desvairados
na poesia desses torpes alfabetos...

Nunca te rendas, ou me deixes convencido,
ante os discursos, que se fazem com croché...
Ó perseverança és o dom do meu sentido
e aquela força que me faz andar de pé...

(2006)

António Prates - In Sesta Grande

Moinhos do Guadiana (Alqueva)

Ó velas do meu moinho,
rodízios da minha azenha,
vão rodando lentamente
esperando que a morte venha!...

I
Há qualquer coisa no rosto
desse teu ser pachorrento,
como quem espera o vento
nas belas tardes de Agosto…
O que me causa desgosto
é ver o teu descaminho,
deixo neste pergaminho
saudades do teu passado,
e ao ver-te abandonado
ó velas do meu moinho...

II
Foste um símbolo da vida,
remoeste farinha a rodos...
foi pena não dar p´ra todos,
como é triste a despedida...
Foste pão numa guarida,
imperador real da brenha...
o meu ser em ti se empenha
em ser cantante e moleiro...
ó águas do meu ribeiro,
rodízios da minha azenha...

III
Rodopiando a nostalgia
onde o meu ser nada viu,
não laborou, não sentiu,
nem fez de ti moradia;
resta a minha simpatia,
o supor de quem não sente,
recordar o antigamente,
enaltecer a nossa História,
E os meus versos, na memória,
Vão rodando lentamente...

IV
Rodam como uma moagem
com carradas de cultura,
os sinais de desventura
dão-me gritos de coragem,
- são murmúrios da mensagem,
ruminada e tão gamenha...
Que a Natureza nos mantenha
Sempre a par do seu saber,
E todo o mais é só viver,
Esperando que a morte venha...

(2002)

António Prates - In Sesta Grande

Maria

Maria tens no brilho do teu olhar
esta minha complicada situação:
azucrinas com amor meu coração,
quando andas pelo campo a serenar…

Olho as curvas que te tocam no caminho,
e os gestos revolvidos entre a palha;
esperando toda a sorte que me calha,
sou um demo com instantes de anjinho…

Os instantes que me dão dor e enfarte,
se te vejo a manobrar no lavadouro;
por não ter o teu olhar, o teu namoro,
sinto quase um badagaio em toda a parte…

Porém, se a vida tiver tento e caridade,
me dará o teu amor como uma prova;
compro um monte e uma mobília nova,
para te dar além de amor felicidade…

Nessa hora, serei pai de uma família,
que será a reverência do meu mando;
prometo que vou falar, de vez em quando,
sobre a vida e sobre os gastos da mobília…

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Mulher

A mulher é como a fruta,
quando é verde tem frescura,
amadurece enquanto escuta,
e é doce quando é madura...

I
Surgem pontos de atracção
no desejo descarado,
o preconceito é podado
no primor da avaliação;
a instintiva cativação
na vitamina mais astuta,
o apetite que dá luta,
o caminho a escalar...
- está sujeito a reparar:
a mulher é como a fruta...

II
As laranjas reluzentes,
nas canastras e cabazes;
arredondados ananases
ficam belos e salientes,
- os sumarentos pendentes,
descascados na doçura;
o conservante da alvura
é perdido e dispensado,
e tal gomo apaladado
quando é verde tem frescura...

III
Como o néctar do kiwi,
olhares desconcertantes,
conjugam os corantes
no primor que há em si;
a essência que sorri,
que imagina, que matuta;
a certeza diminuta
que invade a melancia,
semeada à revelia
amadurece enquanto escuta...

IV
O destino não se altera
e o tempo não desvia,
Já não é tão sadia
Para ser mais sincera;
a ternura que prospera,
o brio que transfigura:
consistência que assegura
que a experiência é um posto,
é timbrada pelo gosto,
e é doce quando é madura...

(1998)

António Prates - In Sesta grande

Anúncio

Sou um homem educado,
fato limpo e aprumado,
nestas minhas pretensões:
procuro aqui uma mulher ,
que tenha pouco saber
e que traga alguns tostões…


Tem de ser gente encartada,
trabalhosa e asseada,
nas coisas d`agricultura;
se tiver um bom tractor,
digo que ainda é melhor
para os dias de fartura…


Convém que seja uma feia,
com buracos na ideia
e vontade p`rá cozinha,
que me faça bons petiscos,
e suture outros rabiscos
com agulha e boa linha…


Essas suas mãos de fada
prometem casa arrumada
e destreza no asseio,
- já vejo tudo a luzir,
quando ela quiser ouvir
os versos do meu paleio…


Também quero ser adorado,
no enxuto, no molhado,
na luzerna e no fogão,
e assim a venturosa
será aquela que goza
este anúncio de paixão…

(2006)

António Prates - In Sesta Grande

Pastor Alentejano

Leva o gado pelo cão,
neste campo belo e vasto,
num sem fim de solidão
Que flutua pelo pasto...

I
Quando o sol quiser brilhar,
neste campo, neste atalho,
há meio dia de trabalho
que se fez a trabalhar;
seu destino é madrugar
e dar vida ao alavão,
entre ovelhas e o colchão
faz o mesmo todo o ano,
o pastor alentejano
leva o gado pelo cão...

II
Leva o tarro na farpela
e o rádio p´ró relato,
acompanha o campeonato
embutido na courela;
a garrafa é uma estrela
que no cocho deixa o rasto,
o rebanho segue basto,
vai unido e imponente,
pelo golo está contente,
neste campo belo e vasto...

III
Aventa brados de genica,
solta berros, alguns nomes,
apregoa o Nuno Gomes,
- como é bom ser do Benfica!
É das coisas a mais rica,
eterno abraço de união.
Quando chega ao tapadão.
a merenda é p´ra comer,
não tem nada p´ra dizer
num sem fim de solidão...

IV
Vai fitando o companheiro,
o amigo dos seus dias,
nas tristezas, alegrias,
pede ajuda ao seu rafeiro;
faz-se à vida, sorrateiro,
no seu estilo sempre casto,
envereda brando e fasto,
de barriga contentada,
- é um ser, em debandada,
que flutua pelo pasto

(1998)

António Prates - In Sesta Grande

Latido

O teu olhar é terno e transparente,
que fala sem falar, mas com razão;
outrora foste um sábio combatente,
passaste à frigidez de um velho cão…

Passeias pelas veredas, já em vão,
consumindo as saudades do passado:
calmo, sempre lento e mansarrão,
e nessa calma já não entras no silvado…

Retiras mais proveito do teu estado,
olhas com um ar tão seco e sério;
e aqui, neste lugar d`outro passado
deixas-me a pensar no teu mistério…

Contemplas as paisagens como império,
ofereces aos coelhos seu descanso;
dominas, desta vez, este hemisfério,
caminhas no teu passo gasto e manso…

Só de olhar p´ra ti também me canso,
rendido ao teu latir do teu conselho...
Penso em abalar enquanto avanço,
penso em te seguir enquanto és velho...

(1999)

António Prates - Sesta Grande

O Cabeço

Lá no cimo da chapada,
o cabeço se lamenta,
pede a terra bem lavrada
para o trigo que se aventa...

I
Bem vistoso, lá no alto,
dando poiso a um chaparro,
um cabeço algo bizarro,
que a natura fez planalto...
Cheira o medo do asfalto,
que dilui a velha estrada;
o chilrear da passarada
faz do cante suas raízes,
- andam tristes as perdizes,
lá no cimo da chapada...

II
Em silentes madrugadas,
- no silêncio, no descanso -
chega sempre um pombo manso,
que se ajeita nas pernadas...
Quietas lebres camufladas,
uma zorra sempre atenta,
Se a fome a apoquenta,
sua vida é a sua presa,
e com a lei da natureza,
o cabeço se lamenta...

III
Vai o dia no começo,
sopra a brisa e muito frio,
com bichinhos, no pousio,
a reinar neste cabeço...
Tem o gaio o meu apreço,
que também monta caçada;
uma urze está criada
num lugar que não se inibe;
e o partir de um triste abibe,
pede a terra bem lavrada...

IV
Nessa forma de imponente,
junta as pedras no maroço;
e, com silvas no pescoço,
dá sargaços mais à frente...
Como lar vasto e potente,
brinda o chão da sua ementa;
e no rosto que aparenta,
tem memórias q´inda guarda,
Quando lembra a abetarda,
Para o trigo que se aventa...

(1997)

António Prates - In Sesta Grande

Borba Cidade

Celebra em Céu aberto - a Venturosa -,
num meigo encantamento, exuberado;
soletra vinhos, nos calcários do passado,
com alegrias que não cabem numa prosa…

Se esse Sul está correcto, mais à frente,
vê-se na sorte de saudar Vila Viçosa;
e no levante dessa brisa auspiciosa,
saúda Elvas, nos confins do Oriente…

Em Estremoz, ou nos limites mais a Norte,
une-se à estrema de uma linha transparente;
como quem une a dilecção, perdidamente,
acede o chão às terras lhanas de Monforte…

A Sudoeste, adoça a paz com o Redondo,
aonde os cumes sobrepujam pelo porte;
erguendo mais a Promoção da sua sorte,
canta lá modas dos ardis que vai compondo…

Está feliz, por ser Cidade emancipada,
por este povo, que se vai pondo e dispondo,
e que dispôs o seu fervor em alto estrondo,
lançando Borba numa faina consagrada…

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Aldeia da Nora

És singela e meiguinha,
ao teu nome estou ligado;
corre Nora direitinha
às memórias do passado...

I
Quando ando no teu chão,
ou te recordo à distância,
lembro mais a minha infância,
bate mais meu coração...
Em cada palmo uma lição,
por cada vereda velhinha;
consumiste o que eu tinha,
em cada gota de energia...
És saudade, és nostalgia,
és singela e meiguinha...

II
Ao percorrer os olivais,
- divididos por velados -
os carrascos e os silvados
Permanecem quase iguais...
Vejo a fruta nos quintais,
como um sonho recordado...
Vou seguindo, emocionado,
pelo oásis verdejante, -
para mim foste marcante,
ao teu nome estou ligado...

III
Em cada horta requintada
há trabalho e há suor;
entre os calos e o calor,
guardo marcas da enxada;
na paisagem desbravada,
que dá vida e acarinha,
a saudade me encaminha
ao encontro da História...
Alcatruzes são memória,
corre Nora direitinha...

IV
Aos Amigos, que respeito,
um abraço sempre eterno,
num sentimento fraterno
conservado por direito;
estão dentro do meu peito,
o seu nome está gravado, -
vejo ali o meu condado,
outrora o meu doce lar,
que me leva a viajar
às memórias do passado...

(1999)

António Prates
In Sesta Grande

Valente chão

Valente chão que me dizes
novidades da descrença,
nesse teu campo grisalho;
falas de seres infelizes,
sem confiança nem crença,
pedindo pão e trabalho.

Valente chão que me fazes
ser como o chão que tu és:
trigueiro, ermo e enxuto;
falas dos tais capatazes,
dos capitães das ralés,
com muitas falas de luto.

Valente chão que carregas
fardos de tais desertores,
cumulas culpas e faltas;
és contentor das bodegas
desses tão pobres-feitores
dessas patentes mais altas.

Valente chão sem emenda,
sem pegadas de mudança,
sem justiça e sem apuro;
pede a um deus que te atenda
com a tocha da esperança
para os pobres do futuro.

(2012)

António Prates - In Sesta Grande

Navegando

Neste mundo há simpatia,
que se mostra em bonequinhos:
são como doce magia
no bem-estar dos nossos ninhos...

I
Feito mundo de ilusões,
estendido ao universo,
tão preciso e tão perverso,
entre imensas sensações...
Vasto mar de informações,
navegando à revelia:
um solar de companhia,
de estranhas amizades,
e com todas as verdades,
neste mundo há simpatia...

II
Há encanto nas mensagens,
que se mostram tão diversas,
como os temas das conversas
já sonhados nas miragens...
Entre encalhos e passagens,
navegamos como anjinhos,
E avançamos direitinhos
ao bem-estar imaginado,
transmitindo o nosso estado,
que se mostra em bonequinhos...

III
As conversas animadas,
entre ideias e enganos,
atravessam oceanos
tal as cartas enviadas;
boas noites que são dadas,
com sorrisos de alegria,
como um mar de poesia
imprevisto em suas vagas...
estas ondas que são pagas,
são como doce magia...

IV
Ao entrarmos encolhidos,
flutuando o imaginário,
dão-se as contas do rosário,
dão-se os sites pretendidos;
como portos prometidos,
que se cruzam nos caminhos,
vamos indo ali sozinhos,
cultivando o nosso ardil,
tal como um sonho infantil
no bem-estar dos nossos ninhos...

(2004)

António Prates - In Sesta Grande

Sonhos de Poeta

Quis um dia a minha vida
navegar em linha recta,
e encontrou esta guarida
nestes "Sonhos de Poeta"...

I
Vou seguindo o meu destino,
compassado e imprevisto;
do que gosto sempre insisto,
sigo à frente do meu tino...
Sou um simples campesino
desta terra ressequida:
tão agreste e tão sentida,
que me leva a divagar...
Naveguei por este mar,
quis um dia a minha vida...

II
Não sou homem doutorado,
quis assim a minha sina,
- até nisso a vida ensina
e nos dá um bom recado -
sou o tom do meu passado,
nesta minha silhueta...
Sou amigo e sou profeta,
que com sonhos se repete
- quero aqui na Internet
navegar em linha recta...

III
Atraquei num doce lar,
onde aplaudo e agradeço,
o que vi desde o começo
só tenho que elogiar:
há no meu cantarolar
rima triste e divertida,
foi-me dada e concedida,
traduzida em sentimentos,
caminhou por estes ventos
e encontrou esta guarida...

IV
A Fatyly nos diz presente...
- comentários de veludo -
E elogia quase tudo,
ternos mimos com semente;
e o senhor que é Gerente,
o seu discurso é uma meta:
de palavra bem concreta,
comentando esta verdade,
é um rosto de amizade
nestes "Sonhos de Poeta"...

2004

António Prates - In Sesta Grande

Blog Alto da Praça

Envolto nas lições que me pregaste,
recordo as grandes teses debatidas;
relembro discussões, aqui vividas,
nas doutas emoções que provocaste…

O resto de um enredo, já esquecido,
remoça os mistifórios do arquivo,
enquanto o tal pretexto sem motivo
relembra o triste insulto sem sentido…

Amigo, aqui me presto em gratidão,
dedicando os parabéns a esta Praça:
que é informação para quem passam,
nos muitos manifestos que aqui estão…

(2011)

António Prates
In Sesta Grande)

Garraiada

Quando a festa é mais bravia,
segue em frente e desarmado,
como é grande a valentia
na coragem de um forcado...

I
Hoje é dia de tourada
à velha moda Portuguesa,
toda a praça é uma beleza
e os magotes dão chegada...
Vai começar a garraiada,
sobe a mini em euforia...
O descaramento da Maria
faz olhinhos para o moço...
O orgulho do que é nosso
quando a festa é mais bravia...

II
Ela entra e vai a trote,
p`ra contemplar o grande artista,
quer fazer jus à conquista
com a pega e com capote;
e olha lá p`ró camarote,
o trompete é afinado...
Ele - num ar de avalentado -
está ali de pedra e cal,
E quando entra o animal
segue em frente e desarmado...

III
Os Amigos dão-lhe a mão,
com o deus que lhes acuda...
Entra uma e outra ajuda,
e é tremenda a ovação...
Raspa o bicho pelo chão,
a espumar filosofia...
Entre o pó e a gritaria
muitas minis estão a mais,
e os rapazes dão sinais,
como é grande a valentia...

IV
Chegou a hora anunciada,
cresce o touro em prontidão;
quando avança o valentão
entra o bicho em derrocada...
Ela toda entusiasmada
e ele todo elogiado...
O valente é premiado
com a moça como prenda,
é bem justa a bela oferenda
na coragem de um forcado...

(2001)

António Prates - In Sesta Grande

Na Horta

Na horta do Ribeiro do Passarudo,
crescem os frutos e viçosas hortaliças,
há as cebolas, grandes nabos e nabiças,
muita salsa, alguns alhos e quase tudo...

Nessa horta, há amoras encarnadas,
amoras pretas, que maduram pela barda;
há um rafeiro - vagaroso cão de guarda -
junto ao alfobre das alfaces já regadas...

Os poejos tão dispersos lá p`ró fundo,
as baldoregas são criadas sem canteiro;
junto do tanque, e à sombra do limoeiro,
os coentros são temperos d`outro mundo...

Frescos pimentos são a pompa deste hortejo,
engalanados, junto à lera dos melões;
ali ao lado, os tomates e os agriões
dizem, com gosto, que esta horta é Alentejo...

(2004)

António Prates - In Sesta Grande

Lenhador

As mãos gastas e calosas,
o Inverno frio e molhado...
As paisagens mais formosas
estão na ponta do machado...

I
O vento seco, inconstante,
esbraceja no descampado;
um murmúrio assobiado,
sempre altivo e dominante...
O dançar mais elegante,
nas figueiras majestosas;
o silêncio das felosas,
ao sentir o invasor...
No passar do lenhador,
as mãos gastas e calosas...

II
Pela estrada da saudade,
a algazarra dos gaiatos;
noutros tempos sem sapatos,
um padrão de eternidade...
Leva o passo a soledade,
no caminho já cansado;
um andar desempenado
pisa lama pela estrada...
Nos resquícios de geada,
o Inverno frio e molhado...

III
Vai e vem, segue sozinho,
todo o tempo caminhando;
pela estrada vai andando
à procura do azinho;
A fragrância do caminho:
estradas velhas e airosas;
pelas pernas dolorosas
duas léguas já passaram,
e dois olhos que fitaram
as paisagens mais formosas...

IV
Com a zagaia a baloiçar,
num aceno ao casario;
Quando entra no pousio,
entra o tempo a cacimbar...
Vê-se ao longe a bracejar,
pela estrema do lavrado...
O sorriso do montado
vem da copa d`azinheira;
E os petiscos à lareira
estão na ponta do machado...

(1997)

António Prates - In Sesta Grande

Momentos

Os campos que trilhei por brincadeira,
nos prados, nas searas, nos pousios;
as ribeiras, os montados, os baldios,
a companhia de um pião na algibeira...

Aqueles tempos no Algarve desconhecido,
um outro dia em que foi tudo por um triz...
As consequências do que fui e do que fiz,
nesses momentos, sem razão e sem sentido...

As bebedeiras, os futebóis, um desatino,
essas tais farras nessas noites malogradas;
e as cantorias pelas altas madrugadas,
junto aos amigos, já sumidos no destino...

A devoção às realidades pretendidas,
criando versos por impulso ou por paixão;
recordo ainda aquela outra situação,
em que marchei por entre vozes repetidas...

Quando lembro esses momentos mencionados,
sou a criança que pensou que não crescia;
Sinto a saudade, um tremor, a nostalgia,
nestes momentos revividos e recordados...

(2004)

António Prates - In Sesta Grande

Solar Primaveril

O Alentejo está florido,
convertido em seu estendal,
com as quinas em sentido
a gritar por Portugal...

I
Nestes plainos desta alvura,
recital em campo aberto:
rodo o campo está coberto
por muralhas de verdura...
Nos enfeites da brandura,
a brandeza tem ouvido;
como sonho adormecido,
tem o mundo em cada flor,
até à força do calor
o Alentejo está florido...

II
Neste quadro primaveril,
seu encanto é natureza;
resplandece esta pureza,
quando chega o mês de Abril:
a compostura tão viril,
neste encanto conjugal;
o jardim mais imperial,
que se enfeita engalanado,
com o chão abrilhantado,
convertido em seu estendal...

III
Estendeu por todo o lado
um sorriso de acalento,
como fonte de alimento,
alimenta o nosso gado...
O seu rosto arrebicado,
floreado e tão garrido;
seu encanto é colorido,
numa oferenda de cortejo,
que faz jus ao Alentejo,
com as quinas em sentido...

IV
É primor do seu feitiço,
está à vista, sem ser caro:
Vale de Maceiras, Santo Amaro
e São Bento do Cortiço,
Santo Aleixo a seu serviço,
São Romão e Alandroal,
magnificência toda igual,
é submissa e descarada...
lindos campos da Orada
a gritar por Portugal...


António Prates - In Sesta Grande

Diga lá, senhor Doutor

Diga lá, senhor Doutor,
Boas-Novas da Ciência,
ou da santa inteligência
do seu tino sabedor…

Diga lá, senhor doutor,
que é um Homem letrado:
quantos dias tem um fado
produzido em Ré Maior?

Diga lá, senhor Doutor,
quantas horas tem um dia,
daqueles sem serventia
e betado de incolor?

Diga lá, senhor Doutor,
as moléstias que padeço,
e tudo o que não conheço
das notícias desta dor…

Diga lá, senhor Doutor,
de onde vem esta preguiça,
que me acossa, que me atiça,
seja lá aonde for?

Diga lá, senhor Doutor,
se tenho febre na sina,
ou se existe uma vacina
para os dias de calor…

Diga lá, senhor Doutor,
antes que me vá embora,
se o destino marca a hora
por capricho ou por favor…

Diga lá, senhor Doutor!

(2008)

António Prates - In Sesta Grande

Veteranos Borbenses

Veterano, velho apego,
experiência engrandecida;
sempre longe do sossego,
porque a bola nos dá vida...

I
Na corrente do destino,
a vertente da idade,
é cruel toda a verdade
e o querer tão pequenino;
encarrega-se o ensino,
mossa lenta no carrego;
o feliz desassossego
corre aqui nesta cantiga,
leva a bola na barriga,
Veterano, velho apego...

II
A fintar a impotência,
remata contra a maré;
a mazela em cada pé
são as marcas da experiência;
no jogo da convivência,
a jogada discutida...
Na fervura destemida,
o conceito d` amizade:
as histórias, a saudade,
- experiência engrandecida...

III
Em desporto tão fantástico,
as balizas desalinhadas;
são as bolas mais pesadas,
as mazelas são elástico...
Mesmo a bola de plástico
faz roliços no seu ego,
ao sair do aconchego
entre ventos e calores,
vendavais e muitas dores,
- sempre longe do sossego…

IV
O orgulho de quem vence
a disputa dos feijões,
o fervor das discussões
em tom Portucalense;
o carisma do Borbense,
amizade compartida...
- Enaltece esta saída,
marca golos na goela,
e a paixão é sempre bela
porque a bola nos dá vida...

(2001)


António Prates – In Sesta Grande

Barbus Futsal

Mote

Presto ao Barbus Futsal
esta obra que advém
do que Borba é afinal
em tudo o que Borba tem…

I
Indo a termos do verão,
em remates de Setembro,
grafo trechos q`inda lembro
no que é já recordação…
Com as letras em acção,
rimo o acto principal:
onde o Carlos – original –
me ligou ao fim da Praça
pra dizer que esta graça
presto ao Barbus Futsal…

II
Depois, ali em conjunto,
no quiosque do João,
recebi com gratidão
as funções de adjunto.
Discorremos o assunto
como a paz dum entretém…
E seguimos mais além,
até ao fim da minha vinda,
o que eleva mais ainda
esta obra que advém…

III
Não esqueço o Eduardo,
nem o belo acolhimento,
e exulto cada momento
com a força dum petardo.
Confesso, fui felizardo
por estar neste arraial
desta bola intemporal,
desta flama permanente
que me mostra, fortemente,
do que Borba é afinal…

IV
O denodo dos jogadores,
o Karica em construção;
concluintes da missão,
grandes craques cumpridores…
E são justos os louvores
que me levam a dizer bem
deste Barbus, ou d`alguém
que apronte algo na obra
do que Borba tem de sobra
em tudo o que Borba tem…

(2011)

António Prates
(Sesta Grande)

Delírio

É uma louca produção,
estouvada distração,
apoucada na cabeça…
Um dicionário sem aba,
que começa onde se acaba
e se acaba onde começa…

É um grande burburinho,
uma letra sem caminho,
um alfarrábio sem corda…
Um condão desinspirado,
com um bilhete ilustrado
com Água Benta e açorda…

É uma sílaba tonta,
melopeia que me afronta,
vendaval que me percorre…
Proémio do calhamaço,
devaneios do que faço,
flor que nasce e não morre…

(2011)

António Prates - In Sesta Grande

Dador

Mote

Sangue é vida que se doa,
numa terna e grata prova,
do amor de uma pessoa
que pratica a Boa-Nova...

Glosas
I
Sangue viçoso e vermelho,
fonte de vida que aquece,
brota do corpo, aparece
nos vasos do nosso aparelho...
Nome que a lenda fez velho,
na falta que alto se entoa...
Bate no peito, apregoa
dádivas deste alimento...
Vida é sangue em movimento,
sangue é vida que se doa...

II
Brinda Bíblias etéreas,
como nobre sacrifício...
Faz-se sinal do ofício,
correndo pelas artérias...
Soletra as letras mais sérias,
no coração, que renova
o plasma que se comprova
como um contrato de amor,
quando o seu nome é Dador,
numa terna e grata prova...

III
Dá-se um sinal de união,
nos capilares de quem sente
o corpo sofrido e carente
dos gestos de compaixão...
Actos que são o que são,
na compaixão que ressoa...
Sangue esperança que voa,
no laço que é transmitido,
tal como brinde oferecido
do amor de uma pessoa...

IV
Aurícula de paz e de fé,
primor de quem dá o que tem;
pratica os caminhos do bem,
na dádiva de ser o que é...
Sangue de vida, e que até
serve argumento que trova...
O gesto que alto se louva,
saber repartir com os seus,
como um agente de Deus,
que pratica a Boa-Nova...

(2006)

António Prates - In Sesta Grande

Atrás das pedras

Não quero correr mais atrás das pedras,
que atiras junto à fronte do meu rosto;
nem quero calar mais, enquanto medras,
com essas pedras que me atiras por imposto…

Não quero vergar mais aos teus caprichos,
sobranceados pela força do teu braço;
nem quero ser mais um, de entre os bichos,
para que as pedras vejam tudo quanto faço…

Não quero correr mais atrás das pedras,
direccionadas aos meus olhos racionais;
nem quero ocultar mais o que me vedas,
porque te digo que eu já não quero mais…

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Peregrino

Parti crente no meu destino,
rumo ao cais da devoção,
como um simples peregrino
que caminha em oração...

I
Ao partir no dia seis,
deste Maio dos meus anos,
juntei-me a outros humanos
com a crença em suas greis;
Esqueci temores e leis,
ao entrar no altar divino,
onde nada é pequenino
ante a crença emocionada,
- enfrentando a vasta estrada,
parti crente no meu destino...

II
Os rostos que desconheço
são sorrisos e alegria,
como paz da Eucaristia,
cultivada e com apreço;
caminhando ao endereço
que me leva em confissão,
desde a Santa Conceição
tudo é Santo e é veloz,
com paragem por Estremoz,
rumo ao cais da devoção...

III
Pelo declive do Vimieiro,
reflectimos dando as Graças,
entre as flores e as carraças,
vi Abraão e fui cordeiro;
como amigo e companheiro,
li Moisés como um menino,
fazendo "anos" no ensino
de um Profeta em Cabeção,
rumo aos Foros do Arrão,
como um simples peregrino...

IV
Escutei Amós e Jeremias,
entretido com a paisagem:
que se erguia na passagem
das andantes Sacristias;
houve fado, horas tardias,
muita paz, muita emoção,
e ao cantar cada canção,
sou voz de um Missionário,
admirando o Santuário
que caminha em oração...

(2006)

António Prates – In sesta Grande

Bravos Homens

Bravos são os Homens deste Império,
onde os tributos vergam ante os capitães:
pisam ideias e tudo o que fala a sério,
pelos caprichos dos canalhas e ladrões…

Bravos são os Homens, na indiferença,
moldando Homens ao que são ao fim ao cabo:
fazem conluios, sem remorsos nem licença,
lá nas cavernas das insídias do diabo…

(2011)

António Prates - In Sesta Grande

Os Cornos

Os cornos mostram nobreza,
iludindo a aparência;
são uma arma de defesa,
defendendo a consciência...

I
Tanta cabeça enfeitada,
com enfeites de vários feitios,
uns mais ou menos bravios,
fica a coisa engraçada...
E que linda é uma Manada
a passear sua grandeza;
todos juntos uma beleza,
com os cornos bem no ar,
há vaidade no andar,
os cornos mostram nobreza...

II
Que elegantes os Veados,
suas Servas bem vaidosas:
na armação penduram rosas,
com rituais viciados...
Os Rinocerontes estão danados,
e ao mundo pedem clemência,
pela sua existência,
porque o Corno é valioso,
- anda o bicho forte e vaidoso,
iludindo a aparência...

III
Há corno em tanto animal,
e as diferenças são tão poucas,
que a invasão das vacas-loucas
já chegou a Portugal...
Ser Gamo é chifrada Real,
visto de frente uma beleza...
E o boi esconde a fraqueza,
armado sempre em valente,
porque em caso de acidente
são uma arma de defesa...

IV
E com tanta evolução
a dor de Corno nem se sente,
mostram-se no banco da frente
já com carta de condução;
ou é Cabrito ou é Cabrão,
dependendo da experiência...
Aí é que está a ciência
em ter uma cornamenta larga,
quem não pode arreia a carga
defendendo a consciência...

(1998)

António Prates - In Sesta Grande

Zé Canejo

Zé Canejo é homem sério,
mas envolto num mistério
que apoquenta as redondezas:
diz-se que a sua figura,
tem uma ponta de loucura
lá dentro das profundezas...

É filho da Ti Otília,
que é senhora de família
e uma moça resoluta,
mais do Tí Apolinário,
que foi tudo e foi operário,
como foi homem de luta...

Mas o Zé é moço fino,
já talhado de menino
a ser um rapaz diferente,
passa os dias enfadado,
com um ar desconsolado,
quase nem parece gente...

A tortura que o inunda
é ainda mais profunda
que a dum gato no soalho,
e diz-se neste Alentejo,
que o pobre do Zé Canejo
é alérgico ao trabalho...

(2004)

António Prates
(In Sesta Grande)

Metamorfose

Foste um fundo verde, no longo prado;
pintaste telas pelos limbos das colinas…
Foram searas, doce aroma nas campinas,
neste lugar descolorido, acastanhado…

Pisei veludo pelos quadros da natura,
enternecidos pela fauna e pela flora…
Eis outro viso, com tudo o que vejo agora,
contendo o rosto que a calma aqui segura…

Vi corrupio nos montados que aqui vejo,
em tons diversos, neste pasto ressequido…
Hoje, as planícies parecem não ter sentido,
mas mostram sempre o calor deste Alentejo…

(2007)

António Prates - In Sesta Grande

Confissão

Por capricho ou por mania,
quando cedo me levanto,
rimo a luz do novo dia,
por padecer e rimar tanto...

I
Nasce o sol com a aurora,
consolando a minha mente,
a cada dia, um tom diferente,
no meu sol que vai embora...
Enquanto brilha, dia afora,
sou imagos de poesia,
que me chama e me desvia
para as sombras do cansaço.
nestas rimas que eu faço,
por capricho ou por mania...

II
Meço as horas por segundos,
absorto no meu intento,
elaborando cada momento,
pelos minutos mais imundos...
Abraço sonhos moribundos,
sem esperança, sem encanto,
e na voz deste meu pranto,
sou prisão do meu degredo,
que principia sempre cedo,
quando cedo me levanto...

III
Confesso a dor, o desalento,
nas palavras do meu estado,
como eterno aprisionado
do meu estado pestilento...
Nada em mim me dá alento,
no torpor que me enfastia;
sou sombra desta apatia,
acabrunhada, impotente,
e por força do consciente,
rimo a luz do novo dia...

IV
Invento tardes infinitas,
no meu ego complacente...
como o sonho incandescente,
que se esvai ante desditas...
Ignoro as coisas bonitas,
retirado neste recanto,
e com língua de esperanto,
vou seguindo a minha noite,
que se faz eterno açoite,
por padecer e rimar tanto...

(2000)

António Prates
In Sesta Grande)

Chuva

A chuva que cai lá fora
traz cifrões no que contém,
e o meu povo comemora
as pingas que a chuva tem.
.
Há gente a saltar nas poças,
pontapés na atmosfera,
rapazes que molham moças,
com o cio da primavera.
.
E os velhos olham pra cima
como quem vê mais além…
Há quem diga bem do clima,
quem não bendiga ninguém.
.
No entanto, a chuva cai,
na escola, em alvoroço,
onde um filho engana o pai,
com chuva pelo pescoço.
.
E S. Pedro, bem sereno,
Mete mão n`agricultura,
com água pelo terreno
e com esperança de fartura.
.
António Prates

Farras Míticas

MOTE

Na adega do Tonhão,
anda tudo farto e contente,
há bom vinho, aguardente
a palpitar do garrafão;
deuses convivem em união,
com pitéus e harmonia;
brota a branca poesia,
nas árias improvisadas...
E pelas talhas atestadas
tudo impera em alegria...

I
Nestas castas convivências
dá-se o brilho bronzeado,
entre saias, rumba e fado
trovam-se estas apetências...
São diversas indulgências
a mandado do coração,
mais um copo, uma canção
sempre altiva e divertida,
- e assim se goza a vida,
na adega do Tonhão…

II
As olivas da conserva
misturadas com temperos,
e talhadas de alguns peros
ofertadas por Minerva;
há bom vinho de reserva,
que se sorve e se consente...
O gabar de toda a gente,
- num trinar sempre castiço -
com bom queijo, bom chouriço,
anda o mundo farto e contente...

III
Após as dentadas míticas,
nos petiscos que aparecem,
como deuses que agradecem
o primor das Santas críticas...
Nestas farras analíticas,
Prometeu é deus e crente,
porque não fica indiferente
aos conselhos de Japeto,
prevendo que no palheto
há bom vinho e aguardente...

IV
Mais um copo rebrindado
pelas honras de Hefesto:
arde como um manifesto
muito limpo e açucarado;
é condão todo encorpado,
nos cantares de pé p´rá mão:
- um saber que é comunhão
no lugar franco e Elísio,
como as artes de Dionísio
a palpitar do garrafão...

V
Outro copo, mais uns migos,
convidando um outro deus,
o supremo e grande Zeus
entra em paz com os amigos;
venham outros mais antigos,
ou de outra geração…
Poseidon traz o trovão,
que achou por entre-mares,
e com rimas e cantares
deuses convivem em união...

VI
Cantam Ninfas, cantam Graças
todo o bom e o bonito,
convidando Hermafrodito
a encher de novo as taças;
há castanhas e há passas,
muitos risos e magia...
Entre a grande cantoria
tudo é sol e primavera,
onde encanta a boa Hera
com pitéus e harmonia...

VII
Farinheira, vinho e bolos
para Héstia, - mãe da Terra;
até Ares esquece a guerra,
nos poemas com Apolo:
o seu garbo é um consolo,
todo ele é simpatia,
como sábio que nos guia
no guião deste apetite...
E a beleza de Afrodite
brota a branca poesia...

VIII
E Demeter está feliz
pelas talhas brancas-lusas,
bebe a meias com as Musas,
e com a bela Artemis.
- Tudo o que este nume diz
pede mais umas rodadas,
e então as lindas Fadas,
sem manias ou critérios,
improvisam seus mistérios,
nas árias improvisadas...

IX
Psique trinca a divindade;
Eirene sorri ao mundo;
Cronos parte moribundo,
(sem entrar na sociedade);
Hélios pede alacridade
pelas mesas engraçadas...
Com risotas avultadas,
Zefiro ri do poente,
outros riem no consciente,
e pelas talhas atestadas...

X
Entra Atena, emocionada,
como luz de um labirinto;
diz que vai beber do tinto
e fica até de madrugada...
Manda a deusa venerada,
tão divina e tão sadia…
A singular sabedoria
fala alto mundo afora...
E nestes filhos de Pandora
tudo impera em alegria...

(2007)

António Prates – In Sesta Grande

Assusto-me a rir...

Assusto-me a rir com o arremedo
das falsas aparências, tresloucadas…
E enquanto vou bispando o seu segredo,
avisto um amplo Mar de almas-penadas.

Assusto-me a rir (e às gargalhadas)
emaçado neste ataque de incultura…
Todas as almas me parecem duplicadas
por um prelúdio de rotina, de clausura.

Assusto-me a rir com a compostura
desses reclusos, desse Mar falso e robusto…
E após ser só mais um da escravatura,
quanto mais me rio mais me assusto.

Lengalenga

Concentrado no abano
dos acordes embuçados,
tento ver nos mascarados
o que fazem todo o ano…
Neste ritmo transtagano,
em retoques de guitarra,
acompanho a grande farra
dessas loucas melodias,
onde as fartas cantorias
pedem ritmo e algazarra…
21/02/2012

Borboletas, tentilhões,
carochinhas, super-homens,
recheios nos abdómens,
papagaios de calções…
Professores de roupões
na folia permanente,
um boneco descontente
pela sorte que adivinha,
um punhado de farinha
na cara do Presidente…
16/02/2012

Companheiros de matilha,
aliados da má-língua,
fazem jus à sua míngua
com calúnias na quadrilha…
Tudo soa a maravilha
aos astutos maldizentes:
forjam logros indecentes
a troco do seu proveito,
e a torto e a direito
são por vezes inocentes…
15/03/2012

Conivência no jardim,
de mão dada no passeio;
um olhar de galanteio
num amém que diz que sim…
A bênção de Valentim,
nesse afã conquistador;
Um poema encantador,
junto à planta desejada;
uma rosa consagrada,
que se apanha por amor…
14/02/2012

Cabulice do poema,
mangação a condizer,
poesia a discorrer
encaixada no sistema…
Locução do estratagema,
calinadas sem arreio,
arremates que caldeio
nos diversos manifestos
p`ra fazer motes modestos
na tenção do devaneio…
13/02/2012

Os ossos do dia-a-dia,
nas alturas de carência,
são ensino, por excelência,
pela sua antinomia…
Além da ortopedia
e do cerne da matéria,
a corrente da artéria
mostra fracas cartilagens
para aquelas personagens
que se fartam de miséria…
13/02/2012

Brilham como divindade
dos altivos campanários,
no mais visto dos cenários
da estranha sociedade…
Talvez por necessidade
das vaidades assumidas,
as prosápias exibidas
não se mostram em segredo,
enquanto este povo ledo
tem as palmas estendidas…
05/02/2012

Vem de Alba a caravana
brasonar a rica história,
que se aloja na memória
da distinta Cayetana;
traz à Alma Lusitana
um acervo de cultura,
demonstrado na figura
dos tumultos da vivência,
e a crise de aparência
dá-lhe um conto de fartura…
10/02/2012

Todo o anho na matriz
da raiz da sua essência,
tem talento e apetência
p`ra fazer o que não diz;
dentro dessa bissectriz
da aresta dividida,
uma parte é dirigida
ao engano da verdade,
enquanto a outra metade
gere o pão da sua vida…
09/02/2012

Um arrumo nos casacos,
um esgar, um arrepio,
um prenúncio deste frio
num trejeito de macacos…
A aragem nos sovacos,
o tremor em corpos sãos,
o mancar dos anciãos,
no tributo à voz do vento,
cede a prova do momento
com briol nas minhas mãos…
08/02/2012

Tive um sonho curioso
durante a meditação:
visitei uma nação
onde tudo é virtuoso:
junto ao corro decoroso,
vi orelhas asininas
p`ra punir certas rotinas
das trapaças imorais,
e não vi um ser dos tais
com orelhas pequeninas…
07/02/2012

Cai a ponte do Entrudo,
por fraqueza dos pilares;
há caraças pelos ares,
e a mão do Cabeçudo...
Na era do Sobretudo,
folgam só os parasitas:
entre prédicas e fitas
cai a ponte de repente,
bate no caudal da gente
com as petas que são ditas…
07/02/2012

Diz Pitágoras a Platão,
na frente de Arquimedes:
- Diz-me lá quanto me pedes
para a nossa situação…
Aristóteles – sabichão -
chega à nobre assembleia:
numa mão traz uma teia,
e na outra inteligência,
p`ra dizer com sapiência:
- Já lá oiço a alcateia!…
06/02/2012

Lá nas sábias entidades,
deste nosso território,
faz-se algo apelatório
para o dom das caridades…
Falam essas sumidades
deste rumo deprimente
como quem esteve ausente
daquilo que bem conhece,
e o povo é quem padece
nas garras de certa gente…
05/02/2012

Vão-se messes dos feriados,
hinos feitos pela glória;
foram preitos de vitória,
foram dias contemplados…
São triunfos olvidados,
dias santos esquecidos,
e os triunfos desprovidos
rezam pelo Corpo Santo,
dando à causa do seu pranto
os triunfos consumidos…
05/02/2012

Este frio da Alemanha,
ou dos lados da Manchúria,
traz a ira, traz a fúria
dos pagantes que apanha…
Passa ali pela Bretanha,
com a cara muito séria;
traz um vento de miséria,
aturado em cada orelha,
e agarra de cernelha
os valentes da Ibéria.
04/02/2012

Vem a crise vai-se um ror
dessas falsas aparências;
partem fartas opulências,
chegam cantigas de amor…
Solicita-se ao Senhor
mais um pouco de luxúria,
porque o povo na penúria
não se vê numa doutrina
que lhe dê a sua sina
sem a fé da sua fúria…
04/02/2012

Os amigos têm um preço
estimado numa cota,
sem vestígios de batota
nem sintomas do avesso…
Dos amigos que conheço
todos eles me perfazem
as letrinhas que não trazem
os acentos abstractos,
- e os acentos são baratos
pelo preço que se fazem…
03/12/2012

Deixei cair este verso
na estrofe desta obra,
onde as letras são de sobra
p`rá tenção do Universo.
Apanho o papel disperso
pelo chão do meu vazio,
e levanto - de arrepio -
a acção inacabada
p`ra rimar coisas do nada
na canção do meu baldio…
03/12/2012

António Prates - In Sesta Grande

Aqui...

Aqui, neste infinito matagal,
tudo se torna louco, delirante…
Somos a condição de cada instante,
conforme a dimensão de cada qual.

Aqui, tudo é estranho e natural,
e tudo tem aroma de mostarda…
Não quero falsos anjos da guarda,
tão-pouco sou um anjo virtual…

Por cá, sou um plebeu imparcial,
isento de interesses e biscates…
Tal como esse tal António Prates,
que aqui costuma vir pelo Natal.

(2013)

Calmaria

No âmago da calmaria,
depois de noites ao luar,
nasce o sol em cada dia
porque gosta de cá estar...

I
Alentejo, belo e quente;
Doce, seco e veraniço...
É um poema castiço,
mãe e pai desta semente...
Passa a vida calmamente:
crosta imensa, tão vazia...
O reflorir da pradaria,
que por si se manifesta;
o silêncio em cada sesta,
no âmago da calmaria...

II
Acalmada na lenteza,
no piar de um trigueirão:
chafariz de inspiração,
que nos vem da natureza...
O retumbar da incerteza,
pelos campos a dançar...
O ribeiro a germinar,
leva rumo a tal descanso...
O esvoaço do picanço,
depois de noites ao luar...

III
Cheiro a ermo de ventura,
e de orgulho sempre vivo...
Como o grande adjectivo,
que te rega a formosura...
O que mostras, na figura,
é o espelho da maresia:
um aprazer com simpatia,
que se esvai na escuridão...
e depois da mansidão,
nasce o sol em cada dia...

IV
Bem vestido à sua imagem:
caprichoso e asseado;
como mundo ajardinado,
enfeitando esta mensagem...
Manda gritos de coragem,
para o céu e para o ar...
Como um puto a saltitar,
tem o sol por seu vizinho,
Que se vai bem de mansinho,
porque gosta de cá estar...

(1998)

António Prates - In Sesta Grande

Retrospecção

O tempo que passou sem horas dadas,
nas marcas da noção e do sentido...
Um fardo de mensagens inventadas,
na alma de um poema repartido...

O Mundo com o mundo em cada regra,
e a mescla que me diz tudo amiúde...
Um gesto que me põe na lista-negra,
por ser o fazedor de um gesto rude...

Um rosto paladino ou sorridente,
nos pontos reunidos e dispersos...
A ampla concepção da boa gente,
que faz a claridade dos seus versos…

Um Sítio de afectos, de queixumes,
na vasta comunhão, - emoldurada...
Um repto - com querelas e ciúmes -
provindo de quem nunca me deu nada...

(2011)

António Prates - In Sesta Grande

Rimas incompletas...

Mote

Proclamo, em versos decentes,
estas rimas incompletas,
que perguntam aos presentes:
quanto valem os poetas?

I
Quanto valem certas obras,
quando as letras são sumidas
pelas artes pervertidas
da tenção das velhas cobras…?
São como as águas salobras,
ou como pontos assentes,
tantas vezes coniventes
com essa ordem social,
e eu, por ser conatural,
proclamo, em versos decentes…

II
Prego estrofes no deserto,
com tumultos na traqueia;
oiço baguinhos d` areia
num silêncio mais que certo…
Nesse afã, todo encoberto,
traço um mote às piruetas,
com algumas indirectas
e com outras mais remotas,
para ver às cambalhotas
estas rimas incompletas…

III
Sabem lá as fartas dunas
se os poetas são o povo,
ou se há algo de novo
nestas rimas oportunas…
São desgraças e fortunas
de quem vê nessas torrentes
muitas taras condizentes
com as vagas intenções,
onde nascem as questões
que perguntam aos presentes…

IV
E aqui, no meio da lua,
as estrofes são reais;
entre amigos e rivais
o vasto plectro continua…
Nessa estância se situa
o ai das rimas indiscretas,
com milagres, malaguetas
e uma estranha poesia,
que perguntam, mais um dia:
quanto valem os poetas?

(2012)

António Prates - In Sesta Grande

O que é a democracia?

O que é a democracia?
Perguntaram–me à saída.
E eu disse que não sabia,
porque nunca a vi na vida.

I
Certo dia, lá num sonho,
muito acima do ozono,
encontrei, pra meu abono,
o mago que aqui exponho:
seu olhar era risonho,
com grande sabedoria,
e num gesto de magia
apontou pra Portugal,
perguntando-me, afinal,
o que é a democracia?

II
Fiquei todo encavacado,
matutando na pergunta,
ao ver tanta coisa junta
para o mesmo resultado…
Recordei todo o passado
desde o ponto de partida,
retorqui-lhe de seguida,
que o sonho era bem vago…
Não queres dizer ao mago?
Perguntaram-me à saída...

III
Entretanto, no retorno,
retornei aos trambolhões:
vi canalhas, vi ladrões,
vi trafulhas, vi suborno,
vi ainda, num contorno,
um sem-fim de hipocrisia,
que me deu, na travessia,
a quantia mais barata…
Vi a pátria democrata,
e eu disse que não sabia...

IV
Aterrei no Alentejo,
junto à Cova dos Ourives,
entre plainos e declives,
junto àquilo que antevejo…
Prossegui, no lugarejo,
a façanha em mim contida,
vendo logo uma avenida,
atulhada de cobiça...
e tentei ver a justiça
porque nunca a vi na vida.

António Prates - 2014

Maus Versos

Não sou poeta desses adereços
ornados por um fim superficial,
tão-pouco sou um verso de começos
sem termos no sentido horizontal…

Talvez por ser assim sou menos caro,
quiçá por ser assim sou menos alto,
porém este meu estado faz-me raro
num mundo com poemas de basalto…

Assim, vou contemplando os eruditos,
os grandes lavradores da velha arte,
aqueles que nos seus versos bonitos
alastram o seu clamor por toda a parte…

As flores, a ilusão e os rendilhados,
ostentam admiração e todo o resto,
deixando estes maus versos dedicados
a este mau tributo que me presto…

António Prates - 2014

Sabes tu...

Sabes tu, Senhor deífico,
mirabolante do magnífico,
magistrado deste mundo,
quantas vezes te contei
as passagens que passei
desde o alto até ao fundo…

Sabes tu, Deus eminente,
sobre-humano, omnipotente,
testemunho do que digo,
que no imo da canalha
não há só um deus que valha
às tenções de um falso amigo…

Fui arisco, escorraçado;
em silêncio segregado,
por engano ou artifício…
E nos versos da censura
fui julgado com fartura
pelos sores do santo ofício…

E sabes tu, Senhor da fé,
como essa gente é
e como há-de vir a ser…

António Prates - 2014

Intervalo

Fiz um intervalo, atrás do sol-posto,
duas, quatro, cinco, dez léguas, ou mais,
pra contar as rugas que tenho no rosto,
e medir as causas desses meus sinais…
.
Calculei o tempo em cada refego,
dividi o tempo que passei sozinho,
subtraindo as penas q`inda aqui carrego,
por causa dos danos desse meu caminho…
.
Vendo barbas brancas, vi um ar mais velho,
vi nesse momento mais mil respostas,
e num alto grito escavaquei o espelho,
e aventei as rugas para trás das costas…
.
Sei que minhas costas têm muitas cargas,
sei que nos meus ombros tenho um grande peso,
mas nestes meus ombros destas costas largas,
também acumulo tudo o que desprezo…
.
A vida é composta destes intervalos,
destes retrospectos sempre benfazejos,
que nos dão imagens, que nos contam calos,
com aquele gosto que nos dão mil beijos…
.
António Prates

Alienação

Se és louco, continua
a subir nessa loucura,
porque a vida só mingua
quem não tem a tua altura.

I
Cada louco é um segredo
encoberto num mistério,
que se mostra num critério
comparado a um brinquedo…
Mesmo sobre um arremedo
a verdade é sempre nua,
e o sinal se acentua
no tino que sabe a pouco;
se és tu, és quase louco;
se és louco, continua…

II
Sabes bem tudo o que és
dentro da tua aparência,
que te tapa a consciência
e te abre de lés a lés…
Não encubras as marés
dessa tua compostura,
porque atrás dessa figura
de feição inteligente,
és um louco que se sente
a subir nessa loucura…

III
Já vais alto bem o sei,
vais aonde eu imagino,
bem acima do teu tino
no rigor que em ti criei…
Prometo, não contarei
a loucura que é só tua,
pois alteia, vai à lua,
como lobo num rebanho,
e revela o teu tamanho
porque a vida só mingua…

IV
Se és firme no ofício
de trepar até ao espaço,
voas livre - como eu faço -
neste curso vitalício…
Nunca há um precipício
onde há uma aventura,
e sendo tu uma criatura
sempre perto das origens,
enches sempre de vertigens
quem não tem a tua altura…

António Prates - 2014

Plantação Caligráfica

Desfarelo aqui dicções,
neste texto em contrapé,
pra plantar em dois talhões
os da boa e os da má-fé.

I
Ao abrir a minha mão,
saltam letras trepidantes,
as mesmas letras que antes
amanhei com o coração…
pula o Z, todo gingão,
com as suas zorações;
rima fome com cifrões,
mete alhos por bugalhos,
e aqui nestes trabalhos
desfarelo aqui dições…

II
Entretanto, o calmo H
junta dez letras, ou mais;
faz caretas às vogais,
cultivando o seu maná…
diz ser fã do que não há,
é um fã do que não é,
como um vento de maré
duvidosa e bailarina,
apregoa o que imagina,
neste texto em contrapé…

III
Encruzado, bem selecto,
diz-me o X, bem divertido,
quase junto ao meu ouvido,
novidades do alfabeto…
E, então, num tom secreto,
denuncia as inflexões
aplicadas nos chavões
inventados a preceito,
que me dão imenso jeito
pra plantar em dois talhões…

IV
Meto algumas consoantes
no alfobre da direita,
mas a esquerda não aceita
gatafunhos circundantes;
planto versos abundantes
com estâncias de banzé;
curto a letras, e até
meto água nas carreiras,
onde cabem nessas leiras
os da boa e os da má-fé.

António Prates

Oração

Tanta hipocrisia, Deus me valha!
Detractores da falsidade, Deus me proteja
das infâmias, das trapaças, da escumalha,
das intrigas maldizentes da inveja.
...
Tanta hipocrisia, Deus te digo!
Imaculada falsidade deste vulgo
rezai por todos os pecados que aqui julgo
para aceitar a hipocrisia que mastigo.
...
É tanta hipocrisia, tanta, tanta!
Apregoada, celebrada, consentida,
como dieta de uma sexta-feira Santa
abalroada na consciência de uma vida.
...
Falsa hipocrisia, flor sem sumo!
Alimento virulento em comunhão,
rogo-te, hoje, que te vás nesta Oração
e que te afastes para sempre do meu rumo.
...
Amém!

António Prates

Vagabundo

Sou um eviterno vagabundo,
nesta vida consumida pelo medo…
Olho p`rá vida, vejo um tecto moribundo
cheio de restos, de prisão e de degredo…

Apalpo os dias, que me passam ao redor,
com a vontade que me dá o velho tacto…
Provo premissas sem tempero e sem sabor,
feitas de um rosto macilento e abstracto…

Nado o percurso sinuoso, aos solavancos,
nesses atalhos procriados nos invernos…
Passo barreiras, rodeadas por barrancos,
pelas ombreiras lá dos quintos dos infernos…

Fiz-me um ser errante, emaranhado,
deambulando pela dita paz no mundo…
Sou fora daqui, sou de outro lado…
Sou um eviterno vagabundo…

(2008)

António Prates - In Sesta Grande

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Política

De política pouco entendo,
mas uma versão somítica
diz-me o pouco que aprendo
a respeito de política.
---
I
Neste mundo de artifício,
cabem todos os que querem
as licenças que lhes derem
em favor do benefício,
e as finuras do ofício
são água que vai correndo
para as leis que vão cosendo
pró bem-estar e prá miséria,
porém, eu, nesta matéria,
de política pouco entendo...
---
II
Quando oiço, em certos tons,
o clamor do tabernáculo,
me parece um bom espectáculo
a favor dos “homens bons”…
e como são belos os tons,
em versão sempre analítica,
sobre a causa Neolítica
discutida sempre a rodos,
que deixou de ser de todos,
mas uma versão somítica…
---
III
Portanto, em conformidade
com o ganho e o conforto,
a politica é um desporto
e um culto de vaidade,
dando uso à qualidade
do que, assim, vai promovendo
ante as causas que defendo
dentro da minha justiça,
porém, a razão postiça
diz-me o pouco que aprendo…
---
IV
Talvez seja eu o culpado,
por não ter cumplicidade
com a lei da pravidade
onde o mau é bem tratado,
ou por ser mais desligado
da rotina quase mítica
destinada à boa crítica
(com dobrez e a podre paz)
a quem pouco ou nada faz
a respeito de política...
---
António Prates – 16/06/2016