domingo, 8 de maio de 2067

Lenhador

As mãos gastas e calosas,
o Inverno frio e molhado...
As paisagens mais formosas
estão na ponta do machado...

I
O vento seco, inconstante,
esbraceja no descampado;
um murmúrio assobiado,
sempre altivo e dominante...
O dançar mais elegante,
nas figueiras majestosas;
o silêncio das felosas,
ao sentir o invasor...
No passar do lenhador,
as mãos gastas e calosas...

II
Pela estrada da saudade,
a algazarra dos gaiatos;
noutros tempos sem sapatos,
um padrão de eternidade...
Leva o passo a soledade,
no caminho já cansado;
um andar desempenado
pisa lama pela estrada...
Nos resquícios de geada,
o Inverno frio e molhado...

III
Vai e vem, segue sozinho,
todo o tempo caminhando;
pela estrada vai andando
à procura do azinho;
A fragrância do caminho:
estradas velhas e airosas;
pelas pernas dolorosas
duas léguas já passaram,
e dois olhos que fitaram
as paisagens mais formosas...

IV
Com a zagaia a baloiçar,
num aceno ao casario;
Quando entra no pousio,
entra o tempo a cacimbar...
Vê-se ao longe a bracejar,
pela estrema do lavrado...
O sorriso do montado
vem da copa d`azinheira;
E os petiscos à lareira
estão na ponta do machado...

(1997)

António Prates - In Sesta Grande